Tabaco e medicamentos

O tabaco pode interagir com medicamentos alterando a sua concentração e a sua distribuição no corpo alterando assim a resposta do doente ao medicamento.

 

Os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, um dos muitos produtos da queima do tabaco, são potentes indutores enzimáticos do citocromo P450 (particularmente da CYP1A2) que é um componente do fígado responsável pela activação e destruição de muitos medicamentos.

Em consequência, medicamentos destruídos por este componente sê-lo-ão mais rapidamente nos fumadores, podendo diminuir o efeito do medicamento, assim os fumadores podem precisar de maiores doses desses medicamentos para atingir o mesmo efeito.

Outra via metabólica, a glucurono-conjugação, pode também ser induzida pelos hidrocarbonetos aumentando assim a destruição do medicamento.

Os efeitos do tabaco nas enzimas hepáticas não se relacionam com a presença de nicotina, o principal alcalóide, pelo que não se espera que ocorram com a terapia de substituição nicotínica.

 

No entanto, as interacções farmacodinâmicas do tabaco são atribuíveis principalmente aos efeitos da nicotina, que activa o sistema nervoso simpático e pode contrariar a acção farmacológica de alguns medicamentos.

Nem todas as possíveis interacções são importantes na prática.

Se a metabolização pela CYP1A2 for a principal via de eliminação a interacção pode ter mais relevância, bem como nos fármacos com margem terapêutica estreita, já que pequenas alterações na concentração podem ter feitos significativos.

Outras interacções relacionam-se com a cessação tabágica. Ao parar de fumar abruptamente a indução enzimática é rapidamente revertida, o que pode reduzir a eliminação do medicamento e aumentar o risco de reacções adversas.

 

PRINCIPAIS INTERACÇÕES

 

Analgésicos estupefacientes

Podem ser precisas maiores doses de morfina ou fentanilo na analgesia controlada pelo doente no pós-operatório, se este parar de fumar antes da cirurgia.

Contudo, as doses são adaptadas às necessidades e é difícil que surja uma interacção importante.

Foram relatadas insuficiência respiratória e alterações mentais num doente que tomava Metadona como analgésico e deixou de fumar. Nesta situação, vigiar a toxicidade.

Por outra parte, o tabaco aumenta o efeito da metadona quando utilizada para deixar a droga. Se for um fumador de muitos cigarros/dia comunicar ao médico.

Ansiolíticos/Hipnóticos

A interacção do tabaco com benzodiazepinas pode dever-se à estimulação do sistema nervoso pela nicotina.

A indução enzimática do seu metabolismo pelo tabaco é controversa. A sonolência, como reacção adversa de diazepam e clorodiazepóxido, foi menos frequente em fumadores.

Estes podem necessitar de maiores doses destes fármacos do que os não fumadores e o seu efeito pode aumentar ao parar de fumar. Se a decisão de deixar de fumar não for apoiada por um profissional de saúde os efeito de deixar de fumar podem se sobrepor a este aumento de efeito. Isto porque com o deixar de fumar existe uma síndrome de abstinência que produz irritabilidade, ansiedade, insónia e agitação. Consulte sempre o seu profissional de saúde antes de deixar de fumar.

Os níveis de melatonina podem ser menores nos fumadores e assim alterar os padrões de sono.

Antidepressores

O tabaco aumenta o metabolismo da fluvoxamina. Os fumadores podem precisar de maiores doses, mas escolhe uma dose junto com o seu médico e fica com essa dose.

Alguns estudos não encontraram diferenças. Na cessação tabágica deve ser vigiada a ocorrência de reacções adversas.

Possível diminuição dos níveis de antidepressores tricíclicos (amitriptilina, clomipramina, imipramina e nortriptilina) em fumadores.

As concentrações plasmáticas de medicamento livre aumentam, o que pode contrabalançar o efeito.

Os níveis séricos de trazodona, agomelatina, duloxetina e mirtazapina podem ser menores em fumadores, mas não parecem interacções relevantes. Não será necessário ajuste de dose.

 

Antipsicóticos

 

O tabaco aumenta o metabolismo da clozapina, diminuindo as concentrações plasmáticas.

A importância clínica pode ser alta pela estreita margem terapêutica.

Há relatos de reacções adversas ao parar de fumar.

Deve existir vigilância e, se surgirem, reduzir a dose.

O tabaco pode diminuir as concentrações plasmáticas de haloperidol.

Os fumadores podem necessitar de maiores doses.

Ao parar de fumar deve-se ficar atento às reacções adversas, como tonturas ou reacções extrapiramidais. Poderia ser necessária redução da dose.

O tabaco aumenta o metabolismo da olanzapina, diminuindo os níveis plasmáticos.

Não é recomendada modificação sistemática na dose, mas pode ter importância clínica.

Na paragem repentina do tabaco deve-se ficar atento às reacções adversas, como tonturas, sedação e hipotensão, e, se ocorrem, reduzir a dose em conformidade.

Os efeitos do tabaco na diminuição das concentrações plasmáticas de cloropromazina são moderados, mas poderia ter de ser aumentada a dose em fumadores.

Na paragem repentina do tabaco, vigiar o aumento de reacções adversas, como sonolência ou tonturas, e diminuir a dose se necessário.

Os fumadores podem precisar de doses mais elevadas de flufenazina.

Ao parar de fumar, vigiar o aumento de reacções adversas, como tonturas ou efeitos extrapiramidais. O tabaco pode aumentar a depuração da tioridazina, sendo precisas maiores doses.

 

Outros medicamentos para o SNC

O tabaco aumenta o metabolismo da cafeína por indução enzimática. Após a cessação tabágica é possível um aumento dos níveis de cafeína. Os sintomas de toxicidade, como irritabilidade e insónia, podem ser similares aos causados pela falta da nicotina.

Anticoagulantes

Potencialmente, o tabaco pode aumentar a eliminação da varfarina, com redução de efeitos.

Deve existir uma monitorização adequada se se alterarem os hábitos tabágicos.

Geralmente, a interacção não é importante, mas os fumadores crónicos que param de fumar podem ter efeitos aumentados.

Os fumadores podem necessitar de maiores doses de heparina e heparinas de baixo peso molecular por interacções farmacocinéticas e farmacodinâmicas. Estes fármacos podem ser ligeiramente menos efectivos em fumadores, mas a diferença parece ser mínima.

 

Fármacos cardiovasculares

O tabaco pode diminuir as concentrações séricas de flecainida.

Ao parar de fumar vigiar reacções adversas, como náuseas, tremor ou hipertensão.

O tabaco contraria os efeitos anti-hipertensores e no controlo do ritmo cardíaco dos bloqueadores beta, possivelmente por activação simpática mediada pela nicotina. Os fumadores podem precisar de doses superiores.

Têm sido referidos menores níveis plasmáticos de propranolol em fumadores.

Insulinas

O tabaco tem efeitos complexos na diabetes.

Os fumadores podem necessitar altas doses de insulina subcutânea.

Ao parar de fumar, pode ser necessária uma redução da dose. Os doentes devem vigiar os sinais de hipoglicemia e realizar um controlo glicémico frequente.

 

Contraceptivos hormonais

Aumentam o risco de reacções adversas cardiovasculares. O tabaco também aumenta este risco.

Não se recomendam contraceptivos com estrogénios em grandes fumadoras e em qualquer fumadora com mais de 35 anos.

Antiasmáticos

Os fumadores asmáticos podem ter uma menor resposta aos corticosteróides inalados. Foi relatado aumento de níveis plasmáticos depois de fumar. Contudo, não há evidência de risco. O mecanismo não é totalmente conhecido, mas reforça a necessidade de não fumar nas doenças respiratórias.

O tabaco aumenta o metabolismo da teofilina, aumentando a eliminação. Os fumadores podem precisar de maiores doses de manutenção.

As concentrações plasmáticas de teofilina devem ser controladas ao iniciar ou descontinuar o tabaco. Devido à margem terapêutica estreita é possível que surja toxicidade ao cessar de fumar. Devem vigiar-se sinais de toxicidade, como palpitações ou náuseas. A dose pode ter de ser reduzida.

Tabaco e várias doenças

Também existem interacções indirectas relacionadas com o tabaco. Fumar pode afectar adversamente patologias como diabetes, hipertensão, trombose venosa profunda ou doenças pulmonares, dificultando o seu tratamento. Nos fumadores diminui o efeito terapêutico dos antianginosos e há maior risco de desenvolvimento, ou cicatrização lenta, de úlceras digestivas.

 

Em resumo, os fumadores que tomem medicamentos que possam interagir com o tabaco podem necessitar de maiores doses. Reciprocamente, certos medicamentos podem precisar de redução da dose nos indivíduos que param de fumar. Ao iniciar a toma de medicamentos metabolizados através da CYP1A2 é importante saber se o doente é fumador e na cessação tabágica é importante conhecer os medicamentos que toma. Ainda deverá ser determinado o significado clínico de muitas destas potenciais interacções.